domingo, 30 de março de 2008

Tatuagem - chico buarque


A boca é o princípio de tudo. É o que desperta desejo e por isso agoniza quando a cobiça por ela não é transformada em consumação. A boca é realidade, é carne e constrói livros e vidas quando pratica o ofício inventado pela necessidade do homem: o beijo. A boca é exata e ambígua ao mesmo tempo: não sabe se morde com o lábio de cima ou se esfrega com o de baixo, para ver se o carinho também gera tesão. A boca meio aberta, mas mesmo assim em silêncio, que é pra concentrar-se na beleza, o escarlate, a cor cujo raio incidente é o que mais desvia quando chega à retina, e incha o cérebro que perde a razão e a agonia de pensar. A boca é na metáfora a eternidade, pois se baseia no mistério, como um teatro que ainda não se apresentou com as cortinas ainda tampando do olho da platéia a peça. E então, quando tal cortina se abre toda ficção inspirada na realidade se apresenta com seu instinto, o instinto da língua passando devagarzinho, em movimento circular, no sentido horário e depois anti-horário, incessantemente. A saliva alimenta em forma de prova da vida e atitude da esperança, através do tato que só a língua consegue fazer. E o olho? O olho nunca se abre; caso contrário toda viagem cessa, como se alguém do público jogasse um ovo no palco, impedindo a continuação do clímax do prazer.

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