domingo, 20 de março de 2011

O Enredo que está na vizinhança


É preciso tomar cuidado com as pessoas muito caladas. A não ser os tímidos, os que estão nesse grupo falam pouquíssimo não por pudor, ou por falta de assunto. Lorota! Não falam, pois não podem falar o que pensam. Estão pensando algo malicioso, proibido, algo que os outros não podem saber. O calado é mais astuto que o falador. Não que o falador seja bobo, mas ingênuo, puro, sem nada a esconder. Aquele que fala muito joga suas descrições longas para o ar à vontade, porque suas palavras não precisam de medida. É livre de preocupações em termo de seu discurso. O calado não: por saber que aquilo que pensa deve ser oculto pelo silêncio, mede bem as palavras e as troca através do sorriso, da simpatia dissimulada, com meneios de cabeça denotando “sim” até no momento em que não se precisa de tanta disposição. Os perigosos usam mais a cabeça que a língua. A língua é fraca, covarde incompetente, mostra a falsidade. O pensamento não; é aranha dentro do sapato. É preciso prestar atenção no silêncio excessivo. As palavras foram feitas naturais, sinceras. O seu desuso em momento de seu uso inspira que alguma coisa está errada.

Fábio Campos Coelho (19.03.11)

sábado, 19 de março de 2011

Angústia


Tenho raiva de mim. Estão me acontecendo coisas angustiantes, que vêm de mim. São pensamentos tortos, feios, pecaminosíssimos, cruéis, e o pior: eles aparecem sem eu lhes dar licença; aparecem espontâneos, inopinados. São as reflexões, os desejos mais picantes, e eu fico surpreso por terem vindo de mim, porque suas representações não correspondem ao que eu penso ser legítimo meu. Então eu me puno, tento convencer-me de que não pensei daquele modo desgraçado -- só aconteceu um engano. O mais maçante é a duração dessa tentativa. Fico resgatando o pensamento o mais equivalente possível. Quero repetí-lo da maneira como foi e através desse resgate psicológico, pretendo dar outro tom ao pensamento primitivo, um tom mais suave, mais humano, menos vergonhoso, menos transgressor. Preciso provar-me que não sou tão maldito assim, mas muitas das vezes não chego ao objetivo e fico piscando, em forma de cacoetes, louco, perturbado. É horrível.

Binho -17/03/11-

domingo, 13 de março de 2011

Asas


Acordo.
E o mundo já vem com sua bandeja.
Nela alguém está sorrindo para mim,
com braços abertos, sempre feliz.
É a liberdade.
E hoje? O que queres fazer?
Queres ser o que hoje?
Temos fantasias diversas,
infinitas, na verdade.
Temos atitudes: benevolentes, caridosas!
Ou será que nesse lindo dia
tu estás grilado com o mundo?
A liberdade é ousada, me pirraça
com sua tolerância de sempre,
sua abertura para tudo.
Me condena no final do dia,
dizendo que eu poderia ter sido outra coisa
naquele dia,
que eu não soube usar o silêncio meu
na hora que devia ter ficado calado.
Me condena na hora de dormir,
porque eu fiquei confuso
sobre o que fazer e como fazer
apesar daquela bandeja,
em que a minha liberdade estava,
em que estava um menu esbanjadíssimo, gordo,
um menu amigo e legal, como um pai adolescente,
o menu que todo presidiário e que todo moribundo
queria ter.
Ser livre agoniza.
Quando eu entro num carro com os amigos
o oxigênio rarefeito do ar condicionado vem me prendendo,
me fechando, justamente por ser rarefeito.
Então eu não sei se devo ser isso ou aquilo:
um carpinteiro do universo, carismático e adorado,
ou o cara mais insuportável possível,
porque quem é reto é enfadonho,
e, além do mais, para todo cara legal
existe um dia cinza, de crise,
que é quando o herói vira vilão
sem que ninguém entenda o porquê.
Sou um pássaro.
Entre o certo e o errado existe um horizonte.
Lá eu estou, e namoro os dois lados,
namorico bobo: não sei quem é um, nem outro,
namoro o certo e o errado, os dois,
porque morro de medo de ficar só com um,
ou só com outro.
Sem um, o outro não tem forma, conceito, sentido
e o outro sem o um não existe.
O segredo todo mundo sabe:
não há comparação havendo só um.
É preciso haver o certo para reprimir
e é preciso haver o errado para haver o certo.
Mas a minha asa grande voa sobre o certo e o errado.
Eu lá no horizonte, entre os dois,
e a minha liberdade lá em cima, voando com a minha asa
(a liberdade é a própria asa),
olhando os dois, apagando-os da minha visão.
A agonia de novo.
Minha asa me diz um consolo que não adianta nada:
O que posso eu fazer? Viver é obrigatório,
se você não pediu para nascer...
A culpa não é minha, garotinho.
Penso: errar é humano! Fico aliviado.
Mas não posso pensar muito nisso
porque fico com medo de fazer o mal-feito,
sabendo de sua gravidade
e que depois é só pedir perdão, não tem problema.
Errar é humano.
Ah, como eu gosto da minha asa!
Voo com ela sem medo de nada,
com a respiração limpa, temerária e ávida.
Ávida de só viver.
Mas depois tudo passa
e a hora da satisfação está longe.
E eu vôo, o mais rápido possível
para buscá-la, buscar essa hora.
Quando estou perto, perto,
me lembro de que estou voando,
estou com as asas, é a liberdade
que oferece todos os menus,
cobrindo meu horizonte todo de infinitos menus
com opções novas surgindo a cada instante.
E eu...
Que queria ser livre um dia.

Fábio Campos Coelho 13.03.11