sábado, 23 de julho de 2011

Rugas


Ficar velho cansa. Cansa ver tudo se repetindo: as músicas maravilhosas, o modo de rir, o êxtase que nasceu de uma novidade que agora não passa de papel amarelo e triste.
Envelhecer é uma coisa interessante.
Em verdade, dói. Quando se envelhece, existe o momento em que as coisas continuam as mesmas, mesmo que mudem de forma, de lugar, de sabor. É tão aleatória essa realidade, e dói por causa disso, porque ficar velho é aleatório, é natural e a natureza é implacável, é professora verduga; não adianta. O tempo é perene – e tem que ser assim, senão a natureza perderia essa credibilidade imensa, segura e dolorosa.
Na circunstância de se tornar velho, as coisas continuam no mesmo lugar, rodopiando de desespero, sorrindo e tristes -- por saber que mais uma vez o envelhecido as observa sem revelar reação lépida. O sorriso das coisas é torto, aflito, envergonhado, como se tivessem feito algo de errado. A aflição existe nesse sorriso porque elas, as coisas, são assim e não podem fazer nada para empolgar o velho. As cosias rodopiam querendo, de qualquer maneira, chamar atenção do velho, mas não. Agora tudo é madeira, imóvel, duro, constante: o tesão, o sorvete, o céu. Tudo é o mesmo e sem vírgula. O velho está condenado a acostumar-se com o ponto final.
O velho olha um menino em sua euforia diante da paixão, da ladeira linda da cidade, diante do espantoso e dá uma respirada funda e longa, lembrando a mesma euforia que tinha e teve um dia. Bota no jovem uma carga de dó e logo se arrepende: -- Mas por que dó? Ele é quem está salvo. -- O velho tenta se comparar com o menino, mas vê nisso vergonhoso fracasso, impossível de ser contado a alguém pela pobreza da comparação. Pergunta para si: -- por que quis me comparar com ele? -- e não obtém resposta. Acha essas reflexões fruto de inveja, e se sufoca com isso. Olha de novo o garoto e o imagina velho. O garoto, que agora é um velho, tem no semblante um desapontamento diferente, tranquilo, conformado. O velho original, depois do engenho, dá mais uma respirada longa e funda, em sensação de alívio, e diz com a alma: -- Salvo estou eu... e todos os velhos.
A repetição das coisas provoca a sensação de que o mundo está parado; e isso é melancólico, sendo a memória mais um instrumento que serve para se ver como era bom antes, quando algo de novo era novidade e motivo para exaltar-se e exultar-se. Mas a memória não pode fazer o velho voltar no tempo. Daí a melancolia, que traduz a velhice em tudo ser normal e esperado, sem expectativa ávida.
Envelhecer não é triste. É cansativo, mas daqui a pouco esse torpor evapora e vem o costume, o hábito. Então, o velho acha que ficar velho é novidade e curte isso. Contempla o pôr-do-sol, o desabrochar de qualquer flor e uma briga entre duas formigas; e se revolta veemente se alguém falar que a configuração da natureza é monótona, insossa. Ele fica suave, sereno e não recusa um cumprimento de algum desconhecido na rua, na padaria, na fila do banco. É engraçado o que lhe acontece nessa fase, porque ficar velho é uma gangorra em que brincam a tibiez e o ânimo.
O velho, depois disso tudo, pensa, pensa, não encontrando nada de novo, a não ser uma voz da poltrona lhe dizendo que amanhã é um dia novo, querendo ele ou não. O velho, com seus 23 anos, vê com frenesi o futuro sem tamanho, mas grande, mas sem tamanho.

Fábio Campos Coelho (23.07.2011)