sábado, 20 de novembro de 2010

Vivos Salvos pela dor


A alegria é só uma transa rápida; não faz ninguém crescer, embora o suor dê compensadora sensação de movimento. Não é o efeito biológico do sexo, é somente o sexo em si e pronto. A vida, mesmo, não é alegria, não é prazer. Estúpido pensar isso.

Quem vive, em verdade, é aquele que sente o limite de sua estabilidade emotiva, a ameaça da demolição de sua bonança cotidiana, e se vê cão sem dono, perdendo, portanto, seu redentor interesse de passear: eis quem pediu pra nascer mesmo sabendo de todo risco de aquele predileto remanso ser incendiado por uma palha inocente de tudo.

Não devemos culpar nada, é só a vida nos dando ciência de que estamos nela. Um morto que morreu sem brigar com o melhor amigo, sem descobrir as verdadeiras reflexões da esposa linda e sempre carinhosa recalcadas pela prevenção da separação lancinante nunca foi morto, pois nunca viveu.

É preciso deixar de ir ao churrasco divertido para ir de encontro à realidade, ao encontro da reflexão, só para não ser feliz sempre, porque é perigoso se acostumar com o encanto, o conforto e a paz. Os vícios mais perniciosos são das substâncias mais fascinantes e se ficarmos vezeiros com isso, esquecemos de tropeçar e quebrar o braço, só para lembrar que a vida é vida pra quem vê a dificuldade como guru e o suor como compensador de encanto, conforto e paz. Há coisa mais gostosa que ser feliz com a dignidade de sê-lo? Há?

É tão bom saber ser sempre iminentemente possível a ingratidão do cônjuge, a má educação da moça do caixa e a decisão de não cumprimentar por parte de quem sempre é cumprimentado, de sorte que essa imunização nos torne menos surpresos com aquilo que vem do ser humano e do próprio mundo. A vida é difícil, pode acreditar! A aventura é inevitável na vida e a ferida é inevitável na aventura.

A gente vive num sonho verossímil em que, no fim do mundo, Deus estenderá uma escada aparatada de confetes brilhantes com borracha em cada andar, machucando a visão dos tolos felizes – e apenas os que são simultaneamente tolos e felizes – por causa da luz amarelada emitida pelo luxo da escada. Essa escada não estará indicada no rumo do céu, mas sim nas várias direções decididas por cada um que puder subir nela. A única verdade a partir desse momento será que quem não conseguir subir na escada por causa da luz amarela morrerá e ficará vagando em festas aleatórias por todo o mundo. Nós veremos, daqui de baixo, então, lá no final da escada, serenos e atentos para não cair, as mães de deficientes mentais que nunca tinam desistido de viver e os que não estavam conseguindo passar em concursos ou vestibulares há mais de, no mínimo, quatro anos.

Fábio Bin (20.11.10)

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

A volta do Escritor


A Volta do Escritor



Era uma vez. Não, na verdade eram muitas vezes, quase sempre! Um menino astuto e pacato; eram raras as ocasiões em que era ele o locutor principal na conversa de amigos. Mas, assim mesmo, não tinha a oratória inválida ou vazia. Muito pelo contrário: a idiossincrasia mais calma e quase calada é completamente ligada com sabedoria e equilíbrio, e este também é ligado ao silêncio. Após a explicação de tais substantivos abstratos, não é preciso falar mais nada. O menino tinha o bom exercício não obrigatório de escrever. E era bom naquilo. O que não falava escrevia, troca mais que justa: troca sábia, estratégica, talvez. No começo, escrevia tudo o que pensava, sem pensar na quantidade de assuntos em um só texto. Escrevia de tudo, sobre o que acontecia na semana passada, sobre o conceito de amigos e aquilo de que muitos têm vergonha de mostrar: escrevia sobre si mesmo. Sem nenhuma força superficial de mudar o estilo em relação a palavrão e vírgula fora do lugar. Merecia o prêmio que poderia ter recebido por não ter vergonha se era ridículo, ou vulgar. É uma vergonha os humanos pensarem que não são vulgares, como se sê-lo fosse pecado ou maldade. Desculpe todos os dicionários. Os conceitos na cabeça de cada um se misturam, de vez em quando. O aviso está dado. Meses se passaram e ele evoluía cada vez mais. Tinha estilo próprio. Mas começou a ter qualificação, um jeito sistemático de escrever. A qualificação na geografia é sempre um processo de avanço. Em tal circunstância, porém, foi o pior que lhe aconteceu, porque tudo aquilo que o menino ia escrever tinha que ser qualificado, perdendo aquela aleatoriedade, verve fluente e natural, que, por sua vez, era a coisa mais original nele. Foi um desperdício: ele quase não escrevia mais, porque sua qualificação não o deixava cometer erros vulgares. Foi uma tristeza. -- O que está acontecendo comigo? – perguntava-se. Será que minha maior diversão está indo embora, sem olhar pra trás, com desinteresse, árido? E eu? Onde fico? Ele culpava algo que lhe era alheio, em vez de se culpar, de acordar e ver que a simplicidade também conseguia elucidar qualquer conteúdo. A simplicidade não é pobre nem é rica, é humildemente clara e basta! -- Por que enfeitar o essencial sempre, sempre, se a concisão tira a capa obscura do aparato? -- refletia, em contundente confusão. Ele comparava esse seu caso particular e doloroso com outras coisas. Já chegou a imaginar duas meninas, uma ao lado da outra. A primeira, andando pela rua com o cabelo solto, sandália simples de couro, brinco de pena de animal e saia comprada em feirinha, daquelas bem baratas. Do outro lado, uma menina que já parecia mulher pelo fato de estar usando um tamanco pontudo, complexo, prateado e barulhento; pulseiras com cara de argolas duras e resistentes, também barulhentas e dessa vez compradas em shopping. Uma mulher de cabelo preso, toda ereta e apressada. Pensou nas duas meninas, tentou dar-lhes a mesma idade, para que sua tese fosse justa -- o menino já se desesperava, não entendendo mais porque escrevia tão pouco. Seus pensamentos estavam estéreis, insípidos? Vendo as duas moças, ele preferiu a primeira: achou tão natural aquilo, uma espécie de liberdade bonita, modelo de vida à vontade, intrínseco. Parecia que a menina deixava os problemas pra depois, pra lá, ao ponto de humilhá-los. Sai pra lá, vocês não conseguem me embrutecer. Aquela roupa simples, aquele cabelo solto, em balanço espontâneo à medida que andava lhe parecia tão jubiloso, exultante, feliz. Simplesmente feliz. Depois disso, então, o garoto decidiu cabalmente que seus pensamentos continuavam vivos, viçosos, borbulhando, com vontade de ser passados para o papel. Era a etiqueta que não deixava. Que horror! A partir do remate, ele primeiramente se aliviou, afrouxou-se e deu um berro: -- Ah!!! Eu voltei a ser normal! -- Sentou-se no banco da sala de sua casa e resolveu escrever, queria escrever qualquer coisa, escrever, ver o lápis deslizar atrevido, sem medo ou cautela fresca. O que não devia ter naquele momento era cautela fresca! Tomou ódio daquilo. Não sou fresco! Nem nunca fui. À medida que escrevia, mudava de sensação, e eram sensações gradativas para o positivo, para a direção do frenesi. Acabou o texto, olhou o papel e, na verdade, nem queria saber se estava bom, elegante, envolvente, inteligente ou podre aquilo. O que importa é que ele voltava a ser escritor. Depois, escreveu mais muitas coisas, umas belas e outras inúteis, feias, ridículas. Um dia foi jogar fora essas últimas porque não lhe fazia sentido tê-las, e, de relance, passou os olhos em uma delas. Começou a ler. No meio daquele texto, havia uma frase esquisita. Era feia. Não, não era feia. Era esquisita. Não! Não sabia dar uma característica àquela frase. Era exótica! Sim, aquele trecho era exatamente exótico! Encontrou a palavra certa e então hesitou em colocá-la num papel verde e pregá-lo na porta do seu quarto. Todo dia que chegava em casa e ia deitar em sua cama, via aquela frase, e isso foi se repetindo confortavelmente; não se irritava com aquilo. Pegou intimidade com a frase. Passados quatro meses começara um romance, um belo romance que ficou conhecido pela redondeza e cuja primeira frase era aquela.


Fábio Campos Coelho (UnB)

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Água da Vida na Face Humana


Antes era somente imaginação,
concessão que não podia ser aceita por pudor.
Seria total ultraje, falta de respeito,
o ponto oposto da amabilidade e delicadeza.

Mas como a brutalidade é chave do estrago
e só o estrago causa a verdadeira saciedade,
Estabeleceu-se a convenção:
a curiosidade promove o desejo
de realizar o mal-bem-feito.

A princesa jamais corrompida
pelo atrevimento do pecado
cansou de ser limpa e agora quer lavar a cara.
Quer se limpar com o sujo, a água da vida!
Por que, então, sujeira? Sujo é não ter nascido.

Que seja feito, porra!
Ela mostra a face e se entrega
para o sujeito praticar o símbolo do domínio
e espécie de humilhação sem vitória nem derrota
que transfere o sentido de superioridade
para tentativa de ultrapassar o limite de prazer.

Não há nada demais! Para com isso!
Isso é o resultado da volúpia na forma concreta
despejado em local de respeito e carinho.
Daí o prazer ultrapassado:
Onde antes não se brincava
hoje se usa, abusa e lambusa.

Fábio Campos Coelho

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Desabafo de uma estrela com micose


Eu preciso ser mais livre e menos correto
para que a qualidade da sinuosidade me complete,
para que eu não seja o prosaico-melhor,
o imanente-simpático
e o meu próprio limite.

Assim, eu serei mais uma formiga no formigueiro
e é tão bom ser medíocre,
porque desse modo sempre terei
erros a ser corrigidos.

Eu preciso achar que tudo está bem comigo
o que, na verdade, não será verdade.
Enfim, eu me espantarei com minha própria ignorância
e crescerei com a atenção e vergonha de minha tolice.
No entanto, eu não sei se acho bom ou ruim
saber que essa tal de tolice sempre existirá.

Eu preciso me sentir imprevisível
para não ser máquina constante.
Preciso ficar mais em silêncio
para o povo chamar minha atenção
de que eu estou muito calado e nunca fui assim.
Eu preciso me sentir estranho.

Eu preciso não me preocupar em me conhecer
e errar, errar, errar,
até aprender que aprender é intangível
porque não se aprende, se arrepende.
É um prazer errar, pecar, conhecer o mal-feito
e arrepender-se fingindo que algo foi aprendido.

Somos todos mordazes, picantes, rombudos,
traidores de nossas limitações
legadas pela cultura ressecada
e algemada pelo próprio engano.
Por isso somos as pessoas mais alegres deste mundo!

Humildade é falsidade com configuração de armadilha
para o humilde.
Porque as medalhas de ouro estão protegidas
por vidros caríssimos?
Por que os pódios e troféus?
A cobiça pela vitória é como fazer xixi ou cocô.
Não há por que ter pudor quanto a isso.

Somos condenados ao nosso tormento
por não aceitar um mero pensamento
--nosso--
de inveja.
Ora, pensar é irracional,
é um peido de cu frouxo.

Porém, o peido é mais exuberante que o pensamento,
porque o pensamento se contradiz,
o peido é autêntico
e o orgulho é insegurança,
é o desejo da prova de que se é imaculado.

Mas não queremos descobrir, já tendo descoberto,
que a mácula é filho caçula, peralta e sínico,
de nossa essência fundida
da mais linda natureza chamada bem-e-mal.

Um filho contrito depois da surra,
que faz tudo de novo outra vez,
sabendo, lá no fundo,
que suas peripécias são raízes sem fim.

Esses dias eu fui conversar com meus defeitos
e perguntei-lhes por que eles me salvam.
A resposta foi simples:
Eu nunca os tive como inimigos.

Eu adoro meus rabiscos
e odeio minha dedicação.
Eu preciso perdoar o diabo
por ele ter virado diabo
num momento de impaciência com Deus
por não ter praia de nudismo no céu.

Dizem por aí que diabo
quer virar lúcifer de novo,
mas que o Senhor é muito carrasco
e nem lhe dá ouvidos.
Por que será?

A qualidade da juventude está
em cada espinha inflamada
E em cada expulsão de escola
porque a coordenadora não agüentava mais.


Fábio Campos Coelho (03.09.2010)

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

As benditas Injeções

Nessa vida, existem muitas fases distintas que se complementam em harmonia madura e sofrida. Mas o sofrimento é fundamental, amigo. Por favor, não pense que há madureza sem dor: as duas são quadro e giz, elementos necessários um do outro.
Você pode ficar sabendo que aquele sujeito que conhece bem o amor, a profissão, a família e o que quer que seja, já levou muita pancada da vida. Se não tivesse ocorrido o choque que desperta, esse sujeito seria o mesmo de antes e sempre, cheio por fora, mas vazio por dentro, estagnado, privado do reconhecimento de seus erros, fracassos, achando que já viveu tudo, porém, mais frágil que o recém-nascido sem a mamãe.
Pois bem! Nessa vida, existem dois tipos de amigo: aquele que se cala e impede, assim, o crescimento do próximo, deixando-o vulgar, na massa dos comuns imunizados da valiosa evolução; e aquele que põe o parceiro na crua e fascinante realidade, mesmo sendo ardida, proporcionando-lhe a nua verdade de que ele ainda é fruta verde -- coisa totalmente normal -- mas que um dia vai ter que se separar da árvore protetora, da mamãe natuireza, para afinal viver na terra e senti-la como realmente é.
A segunda pessoa é o seu verdadeiro amigo, pois aplica a injeção que dói, mas que depois faz bem ao organismo em defasagem. Ao entrar a agulha, o amigo retira o "forte" menino da ilusão de ser forte o suficiente ao ponto de não precisar mais ser melhor. A injeção possui a função essencial de reverter a circunstância da imunização: agora quem não atinge o rapaz é o orgulho, a tola certeza de que nunca falta nada a fazer. É essa pessoa que oferece proveito à vida do aprendiz, essa é a pessoa que o renova, afinal, será através dela que aprendemos a aprender.

sábado, 31 de julho de 2010

A ledice e a Pungência

Não existe o nada sem o tudo
dizia assim o professor dando seu conteúdo
e estava explícito no seu rosto
a precisão de, para todo algo,
seu corresponde oposto.

E só havia aula por causa dessa dicotomia:
essência do saber graduado.
Sem a oposição, o professor dizia,
é inútil o aprendizado.


A ledice grita sua manifestação para quem quiser ouvir
o seu triunfo sobre a pungência,
mesmo com a tenacidade desta.
Assim, todo mundo a ouve:
o feliz e o triste
e todos se encantam com o sorriso convencido da alegria,
em condição de saliência diante da tristeza.

A pungência, vendo a ledice,
em pleno júbilo que designa o alarde da vitória,
se cala em confissão de derrota,
fato intransigente e cruel.
O perdedor deve saber perder
e usar do sobejo a humildade.

Os que estão ao redor, aprendem essa lição,
lição de consolo, porque o mundo ainda é alegre.
O mundo ainda é ledo.
Mas a consternação,
como também existente,
não é passível de transporte a algum lugar patético,
a qualquer ilusão, caminho que não seja penoso.

Então, deixe a pungência chegar, ledice!
Mentira por não haver solução é vitória sua,
porém falsificada.
Tudo tem a sua hora, e o mundo precisa equilibrar-se.
Agora é a vez de a pungência ensiná-la
a ser mais econômica, ledice.

Calma, calma!
Os figurantes são parte essencial de toda novela.

E assim vão a ledice e a pungência,
em harmonia complementar, uma contemplando a outra
e declarando sua gratidão e sentimentos
mais puros e belos possíveis.
Contrariam assim, mediante a lei da natureza humana,
os hábitos e opiniões cristalizadas
pelos próprios homens.

Depois de pensar muito sobre ser alegre e triste,
de ouvir os ensinamentos da ledice e da pungência,
os que estão ao redor se tornam mais plácidos,
em amálgama justa e espontânea dos dois conteúdos
apresentados pela existência de tais alunos
antes aflitos e agora atinados.

A resposta é simples, mas expõe a complexidade
necessária e fulcral para toda existência.
A resposta é complicação torta
que proporciona o equilíbrio,
respondendo com contradição
à contradição inevitável entre
a ledice e a pungência.

Fábio Campos Coelho (meu amor) (31/07/2010)

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Contraste da Saudade

No desenrolar da vida, o homem é munido de diversos sentimentos que o envolvem e o entretêm e o fazem ir além do cotidiano e do comum asqueroso e tediante. Os sentimentos são o combustível para a vida, e a variedade deles são a prova de tal gasolina vital.
O escritor, porém, não veio a esta folha discorrer sobre essa variedade, mas sim, sobre um apenas sentimento; aquele que esmaga o coração, denotando a crueldade ímpia da distância e, concomitantemente, dizendo-lhe como se manifesta a vontade necessária de continuar a vida; aquele que se mostra prazeroso e pungente no mesmo instante. Os maiores sofredores e salvos (explico esse último adjetivo no final, não se preocupe!), se são mesmo astutos, já devem ter indicado a que o escritor se refere: à saudade.
Quando a pessoa benquista está ausente, a sua lembrança está presente: é aí que desponta a antítese da saudade. A falta de alguém provoca a tristeza e a alegria, havendo um ressarcimento inaudito entre o positivo e o negativo, que passa insondável por aquele que tem sempre o passarinho no seu ninho.
A tristeza vem ao âmago pela ausência da pessoa amada, vindo a alegria posteriormente, chamar a atenção do sofredor para o fato de que existe uma pessoa na sua vida que o faz sentir um rebuliço no peito, um tropel, onde as dores da ausência combatem com o desejo da presença, suscitando no coitado-aliviado um suspiro de ledice por saber que alguém lhe espera na mesma ocasião espiritual – ávido e persistente, como persiste o amor.
É contundente, realmente, a saudade, mas oferece a riqueza de oferecer uma recompensa sem preço: quanto maior o tempo sem se ver, mais apertado será o abraço na hora do reencontro. Por isso a saudade é assim valorizada, porque assim valoriza o amor. Só sentindo a saudade, percebe-se o ponto de encontro entre a agonia e o regalo; sendo, em verdade, coitado aquele que nunca sentiu a falta de sua pérola, e aliviado, quem já teve saudade e pôde sentir a dor que o faz vivo, matando o vazio cheio de vontade, depois do falado abraço caprichado.


Fábio Campos Coelho (18.07.10)

sábado, 5 de junho de 2010

Mãe



Querida e sagrada, munição de cautela e proteção,
servidora devota da prole e desta geneticamente indissolúvel.
Preocupada com uma folha de árvore que cai na cabeça do filho
por ser esse sua produção emotiva e vital,
ela quer ver seu tesouro frágil e ingênuo ficar incólume
de toda má influência da sociedade
que tenta aliciar quem ainda tem a chave mágica
(existente somente na cabeça da mãe) do segredo de não sofrer.
Utopia que tem ganho de causa em todo julgamento.

Mãe, mulher ainda encantada com o mundo,
satisfeita, apesar de todas as coisas,
a despeito de ser agora reprodutora
e esse ofício tem definição constante, caminho eterno e crucial,
pautado na verdade linda de contigüidade:
parte de um todo, o filho é sempre primazia por ser parte.

A mania de ligar para seu pequeno mil vezes por dia
na madrugada ou no serviço
é necessidade inadiável da mamãe,
infelizmente nunca entendida pelo filho,
porque ele já cresceu e quer agora ter sua própria vida
de indivíduo já maduro e civilizado, com juízo
e consciência de tudo que é perigoso ou insensato.

Mas o problema é que ele não compreende que,
embora passarinho já tenha se tornado gavião,
ainda existe o ninho, quente e fundamental.
Um ninho abstrato, mas concreto,
que a mãe vela todos os dias, com prazer de velar,
instinto e insistência de mãe-ave incumbida
de ver seu germe se alimentar para continuar a cantar.

Mas um dia o filho aprende,
quando não for amparado pelo seu melhor amigo,
o grande companheiro que nunca o trairia,
embora fosse momento de ser amparado.
Enfim ele vai querer voltar para a casinha,
para a asa da mamãe, a chata, às vezes insuportável,
que sempre lhe ligava quando era hora de não ligar.

Fábio Campos Coelho 05/06/10

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Grilos da poesia



Ontem fui ter uma conversa com a poesia, escancarada no cotidiano.
Ela me atendeu com voz abatida e insatisfeita,
como que dizendo que os poetas não estavam fruindo
a função do papel e caneta em uma dimensão ampla, humana e flexível,
que mostraria à sociedade a magia crua do poder de se expressar.

Eu lhe retruquei alegando as mais belas coisas já ditas pelos poetas,
a dedicação deles em fazer algo truz e solene
e em seguida lhe perguntei por que ela se sentia assim.

A poesia me disse, então, que não está somente na metrificação e sonoridade,
na grandeza lírica, pessoalmente distinta de cada vate.
A poesia está em uma briga de casal,
da qual saem conclusões nunca engendradas,
que aplacam o instinto maquiavélico e astuto por prevenção
e conduzem à predileção pela afabilidade e compreensão,
diante de toda frieza e rápido reflexo com a sacanagem alheia.

A poesia me disse que está em um dia lindo em uma cachoeira,
junto com amigos de colégio, sem o problema das apostilas e agendas,
onde se tem apenas o conforto e brincadeiras de impúberes
embevecidos com a sinceridade que a natureza lhes propõe.

A poesia me disse que está no supermercado,
em meio a sacolas e carrinhos, pessoas bonitas e estranhas,
maçãs, cebolas, laranjas e um pensamento que sossega a cabeça
presa pela rotina desgraçada
e acalma os ânimos dos cansados com o escritório definitivo
e ausente de cores vivas.

A poesia me disse que está na visita aos deficientes físicos e mentais,
limitados a cadeiras de rodas e babadores,
sob tutela de pessoas com função divina.
Uma visita onde o visitante se arrepende de todo vacilo,
grotesco ou ínfimo, porém o arrependimento é tão pujante,
que o arrependido tem vergonha da própria existência
e a julga, sem escrúpulos ou condições consoladoras,
desprovida de merecimento ou compensação.

A poesia me disse que está no pesadelo das quatro da tarde,
um pesadelo de espécie cai-na-real,
no qual a pessoa sonha que está diante de um homem celerado
que matou sua avó, seu cão e sua namorada
e agora lhe afronta com cinismo contido de sadismo.
Ainda bem que foi só um pesadelo, diz o dorminhoco
com sensação de vida nova, valorizando mais sua realidade dócil
e prometendo a si mesmo que doravante
vai aproveitar com mais carinho o que tem.

A poesia, por fim, me disse que por isso estava tão triste
e que está também em toda verdade recalcada,
por não ter essência correta, normal ou sensata
no contexto daquilo que as pessoas consideram plausível,
continuando essa verdade intacta, no interior da intimidade
por medo ou pudor.

Ela disse que está no sonho realizado pelo camelô
de comprar um apartamento,
está no dia cansativo, pegando-se o último ônibus para casa,
está na lembrança da avó maternal que já morreu,
no sexo interrompido pelo toc-toc na porta do quarto,
na fragilidade e feliz infância de um terrorista,
no lamento de uma atriz pornô por não ter esposo,
no casamento que não se consumou pela inexistência de um olá,
na poesia ainda não feita pelo poeta
e em todo sentimento que os dicionários não traduzem.

Fábio Campos Coelho (03.05.10)

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Prazer Genérico




É extasiante a rapidez do ato de animar-se de modo licencioso,
prevendo e projetando o ato que exala satisfação com esbanjamento,
o ato misteriosamente preferível por todos,
feito com brutalidade meiga, dedicação
e responsabilidade única de transferir prazer ao outro.
Um ato do qual toda existência humana depende,
um ato que ultrapassa a essência de reprodução para ser necessário.

É magnífica a rapidez da ação de tirar a roupa íntima,
sem hesitar nada, em nenhuma outra coisa ou conseqüência
apressando-se para sentir o aperto dolorido
seco no início e úmido posteriormente
que depois deixa de ser aperto e torna-se apenas atrito,
tração constante e capciosa, tendo a ciência de sê-la.

É incrível a rapidez da mesma tração,
que, quanto mais célere, mais compensadora,
atrevendo-se o varão a conhecer o limite de sua própria celeridade
e fascinando-se com o bojo desde então desconhecido,
até pressentir a falta de pujança do instrumento funcional pertencente a si,
jorrando assim a semente de existir, a metade do que seria um indivíduo.
Brama, assim, como nunca bramou, o homem,
confortado por saber que cumpre sua função viril.

É arrebatadora a lentidão como se abraçam os dois rabichos,
vertidos os dois de suor, líquido que denota exercício, movimento,
o símbolo da não paralisia da vida,
o sinal de que não se tolhe por ter sempre
a disponibilidade da prática que suscita o júbilo
e dizima o rancor e o ressaibo,
fazendo ficar apenas a gratidão pela dedicação
de um tornar o outro vivo e vice-versa.

É fascinante a lentidão como o sabonete passa
pelos membros da querida, com suavidade e querência
sentindo-se a água fria e despertadora
cair sobre as cabeças exaustas, aliviadas
e vagas, de tanta exaustão.

É linda a lentidão de agarrar-se ao outro,
com cola de consideração e afeto,
cruzando-se não só os braços, mas as pernas,
como prova, na consciência latente, de que a parceria
existe em todos os sentidos, diagonalmente,
com sentido categórico.

É encantadora a lentidão como as duas cabeças descansam,
sabendo que vão cansar da mesma maneira,
para novamente descansar e dormir em
paz e amor.

Fábio Campos Coelho, meu amor (29.04.2010)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Descobrimento na Calçada de Tambaqui


Toda poesia é autobiográfica, retrato idêntico à personalidade,
mesmo quando é negação das próprias sensações,
pois isso não se chama contradição ou falta de identidade:
isso se chama ironia.
Estranhamente, é impossível a palavra não corresponder
ao que o imo do dono da mesma palavra indica.

Não adianta, teimoso decifrador das angústias e alegrias do mundo,
não adianta, belo poeta!
O que tu rabiscas no papel, sendo concreto ou abstrato,
é legítima cópia do que pensas, de tuas conclusões,
de tuas dúvidas e convicções sobre o a retidão e o incoveniente.

Mas isso não é motivo de desapontamento,
pelo contrário: é realidade cativante,
verdade que promove o conforto e o alívio
desde o belo momento em que, humanamente,
não consegues fugir de ti mesmo.

E, sem te perceberes, vão crescendo, com tuas letras, teus desconhecidos,
desocupando os juízos debaixo do tapete do pudor,
desconfiando sabiamente que
os poetas não conseguem ser falsos
e treinando, lentamente, a julgar o instinto
espontaneidade que sana o medo de si.

Muitas vezes, razão e emoção são ângulos complementares
e, assim, nos tornamos mais verazes.
Agora, poeta, não vale relegar teu ofício.

Fábio Campos Coelho {30.03.10}

quarta-feira, 17 de março de 2010

O amor da Abelha Rainha

Teoria cujo resultado a matemática não alcança,
pois os números não são contingentes, volúveis,
eles sabem o seu passado, seu futuro
e o seu desenrolar.

O que é o amor? Pergunta que nunca se evapora,
já que cada pessoa é um universo
e cada opinião é um axioma
mais complexo que qualquer filosofia
ou conceito de política.

O amor é líquido,
é ilusão ciente de ilusão,
uma certeza que não quis ser certa,
a verdade irascível, quando a mentira o vem acometer,
porque o amor quer ser amor por excelência.
Ele sabe da sua vitória diante do sossego
e de sua essência composta de saturação de serotonina.

Primeiro, enjoa-se da namorada, magoada levianamente
(por simplesmente ser esse ser emaranhado "fêmea")
e acha-se que a distância por dois, três dias, uma semana
vai lubrificar o contato já áspero dos amantes.
Depois, a imagem da criatura amada vira adesivo
forte e contumaz, pregado na memória
na forma dolorida de alarme:
Não seja tão maleável, meu filho; o amor ja o é!

Mas não é para se assustar com a contradição contida nele.
Não conte para ninguém:
A configuração sinuosa e preenchida de vicissitudes
que o amor lhe apresenta
é a redenção, a salvação, a solução para o fastio.
Os vagabundos não aguentam mais jogar sinuca.

Primeiro, o amante diz que ama muito,
mas conclui que "amar muito" é pleonasmo.
Depois, fala que ama pouco,
mas não existe "amar pouco"!
Quando se ama, o sentimento supera
todo arquétipo de sentimento.
Não existe verdade, nem existe mentira,
agora tudo é simples e uno,
e o amor é coisa absoluta.

E para os que investigam o sentido da vida,
que não procurem a paz!!!
Ela não lhes dirá nada.

terça-feira, 9 de março de 2010

O Amor Amigo


Coitado de mim! E eu pensava que o amor (palavra cujo conceito nem Vênus pode traduzir) tinha um código pedinte de tarimba laboriosa, ou que rogava por um padrão, um parâmetro que só os submersos na flama da paixão carnal estavam autorizados a ter. É que, para mim, garoto com tendência para achar que toda emoção contém razão, o amor sempre demonstrou um tipo de norma, de regra mesmo, daqueles de futebol ou natação, como se fosse obrigatório os cônjuges andaren sempre de mãos dadas e dedos entrelaçados para mostrar aos olhos alheios o compromisso, ou como se o ato de os namorados conversarem com ecxesso de galanteio e educação, indicando falta de intimidade, ultrapassasse a barreira do que seria a "norma do rabicho".
Meu caro amigo, amante de primeira viagem, atente-se, pois aqui lhe digo que as coisas não são bem assim. O amor, como sentimento desatinado em si, precisa de amizade, sim senhor, aquela velha amizade de meninos da quarta série jogando bola no recreio, como cada doente precisa do seu respectivo remédio. A amizade, livre e à vontade, é essencial na relaçãqo dos pombinhos, porque entretém, descontrai, torna mais pueril tal relação, tão difícil de ser levada, em decorrência da seriedade que a envolve, da fragilidade que a impele a não perecer, da precisão de coisa zureta que a faz ser amor natural e lépido. Disso tudo, o amor, quando é amigo, torna-se mel, tirando as rugas acidentais do elo entre amado e amante.
Tolos os namorados intransigentes com a variedade de caráter do próprio relacionamento, que, em virtude do feitio inexorável, privam eles mesmos da liberdade de ser também simples colegas, um do outro, pois ainda têm a deturpada conivcção de que uma construção diga de apreço não pode ter trincas na parede e ausência de luzes de natal na guarita, sem saber que o tijolo precede o edifício, e a amizade, o amor.

Fábio Binho

sábado, 27 de fevereiro de 2010

O péssimo conselho


Moço afoito, desesperado, apressado
para que tudo de lindo aconteça,
não queira ver o ato se consumar,
o melhor mesmo é deixar pra lá
e esfriar sua cabeça.

Você tá muito caladão, talvez com depressão,
esquece logo essa novela,
vai tomar um ar um pouco
senão uma hora fica louco,
para de pensar em você e nela.

E se nada for fantástico, amor de plástico
e o encontro não for o esperado?
Frustração é produto de ensiedade,
a imaginação é à vontade
e pensar em tudo é liberado.

Nenhum projeto dá tão certo, fica esperto.
Nada acontece igual como se pensa,
o pensamento não tem limite,
ninguém entra em você e dá palpite.
Ficar só sonhando é que compensa.

Mas se você não ama, não suga, tartaruga,
não arrisca e sempre se cala,
tem a oportunidade perdida
de ser feliz com a mulher da sua vida,
o tolo mesmo é quem agora lhe fala.

Fábio Binho (27.02.10)

sábado, 20 de fevereiro de 2010

O jovem e o Velho


Há pouco tempo eu ficava pensando
por que os velhos não fazem como faziam antes,
de modo hábil, meio rebelde, maluco, doidão
espontaneidade semelhante ao dos mutantes.

Mas depois de ter passado um bom tempo
a gente vê que só aprende com o giro do ponteiro:
Então para que exigir do velho calmo, sereno
o que se exige do jovem descolado e maneiro?

O jovem vê o velho deitado na rede e pensa:
será que compensa viver parado, disposição em cadeado,
feliz mesmo é a gente!

O velho, deitado na rede, vê o que o jovem faz
Olha pra trás, compreende tudo, o menino taludo
e dá um riso reticente.

Mas se o velho continuasse na juventude
o jovem não poderia mais falar mude.
Estranho, que o velho seria jovem de novo
e o jovem, que é novo, desapontaria seu povo.

Fábio Campos Coelho (20.02.10)