quarta-feira, 8 de junho de 2011

Torpor na Praça


Não gosto de me sentir plenamente feliz. Quando eu sento no banco de uma praça e fico a olhar os meninos brincando, a felicidade está traindo as minhas tarefas do futuro, e é como se aquele banco e aquela praça fossem exclusivos apenas para descanso, e não para felicidade ingênua. O júbilo não é merecedor de ser chamado júbilo quando o dia não exauriu o jubiloso. Isso tudo é mentira, são palavras, denominações: júbilo, alegria, relaxamento. Eu queria ser o sol, para me queimar e suar, queimar de tanto suar, suar de tanto queimar. Mas então penso nos sorrisos das pessoas me olhando e me elogiando: Como o sol é lindo!, e o terror daqueles elogios me apagando, como noite vingativa. Odeio elogios por não provocar resultados saborosos em mim -- somente paralisia e consolo, fazendo-me recalcar o que eu tenho de podre e feio e vazio e vergonhoso. É vergonhoso sentar no banco da praça e coçar a barba, mesmo sabendo e sabendo mesmo que os pelos adultos são prova de que o tempo é professor carrasco. Todos gostam dos professores bonzinhos. Mas alguém lembra seus nomes? Ninguém! Só lembramos dos professores algozes, daqueles que nos mostravam que dava para segurar o xixi por mais três minutos, porque prestar atenção naquilo escrito no quadro negro seria fundamental para a prova de amanhã. O momento presente era mais importante. Quando eu sento em um banco de uma praça qualquer e me ponho a ficar fasto, alheio à compensação do respectivo estar fasto, penso nas coisas interessantes que pediram ser feitas por mim e que não fiz, no jornal que não li e na minha desculpa esfarrapadíssima que dei à chefe de que não podia ficar mais uma hora do laboratório, porque tinha que pegar meu sobrinho na escola. Umas águas salgadas internas do meu passado passivo querem sair pelos meus olhos e me avisar que -- seja o que for -- sou o que fui. Minto pra mim a verdade dessas águas, mas a própria mentira se desmente, como realidade que é. Depois a mesma mentira vira verdade, porque a mentira sempre existiu em mim, e não por si só. Esse processo de regeneração da sinceridade de mim e para mim me avisa que o banco da praça me avisa que tem a função para o resto da natureza ter sua função. É a licença que o banco me pede, para eu levantar-me, porque as minhas nádegas desgraçadas já o queimaram demais e o sol já quer chegar para queimá-lo e depois descansar, em símbolo de lua. Obedeci ao pedido. Naquele dia, não houve pôr-do-sol: o dia se transformou em noite de modo brusco, sem intervalo de tempo. As crianças brincavam lerdas; a praça era um pátio cinza-claro e eu existia em outro sentido, consciência ludibriada, iniciativa não-ativa, realidade torta.

BIN (09.06.11)
Para Hermano Silva (vô Têco)

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