quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Será assim?




Na hora de dormir, às vezes me vem aquela agonia vinda de não sei de onde, aquele quadro pungente com um monte de opções de o que pensar. O que pensar antes de dormir? Pergunta tão bonita -- já dizia o Duca. Pergunta tão bonita que não precisa de resposta; ele disse desse jeito. Mas é que tem algumas noites sorteadas pra gente, madrugadas que te jogam na parede e dizem “E agora? Você vai dormir? Não está esquecendo de pensar em nada?” E eu olho para a noite, paro, ando um pouco em círculo, coço a cabeça e me entra aquele abismo, que é pequena fresta ao mesmo tempo. Aquele buraco, sinal de que está faltando alguma coisa no andar do meu cotidiano, alguma prática, uma mera reflexão que deixe a vida mais digna de ser. Parece que a noite, sendo somente nesse específico momento os mortos tranqüilos, na cadeira de balanço da transcendência, que não é céu nem inferno, me dá um toque suave, real e sincero: “Acontece isso com você porque, quando você dorme, está simulando a morte. Cada sono é um ensaio para a morte, e é nessa hora que você não sabe quem é – antes de dormir --, por isso a agonia da existência, essa multidão de vetores dizendo o destino para onde seus passos podem ou devem ir. Vai viver, menino, você tem que apenas viver.” Então, finalmente, eu satisfaço a noite, penso em mais coisas que aquele quadro antes irritante me sugeria, fico tranqüilo e durmo sem saber que estou dormindo. E eu vivo no sonho o momento em que minha morte está iminente, uma tarde com chuva rala, então penso comigo mesmo: "e agora? O que eu vou pensar? O que eu tenho para fazer? Nada, já fiz tudo e tudo se esgotou. E agora, eu vou desembocar no famoso sentido da vida? Eu tenho que ver no que vai dar, já que agora o sono vai ser para sempre. Já sou velho e ainda não sei o que concluir antes do descanso grande."
Acordo sem saber a resposta. E vou morrer sem saber que morri.

Fábio Campos Coelho – 24.02.11
às 03:07

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quando tudo acalma


E depois disso tudo, desse turbilhão,
tempestade que não dá vez para marinheiro,
eu, quieto aqui, estou mais forte ainda,
em contato com o nada simples.

Os outros envergonhados
nos vêm para mostrar que somos demais,
mais que sempre pensamos ser...
Por que só agora nosso valor se abre para nós?

Temos mágoa, mas temos dó
e a dó encobre a mágoa
como um toldo de límpidos gestos,
como o ouro olha a prata
sem saber por que vale mais.

Mas a mágoa fica,
justificando dar firmeza ao enganado
e fazer com que todo o podre acabe de apodrecer
em sossego
mediante a consciência de nosso valor,
porque na mágoa mora a dó.

Quem me fez mal me deixou melhor
e eu não sei se devo curtir minha poltrona
ou mudar o conceito de tolo,
agradecendo aos mentirosos sofredores
pela sua ingênua função de fazer
cada um descobrir o respectivo brilho latente.

Fábio Campos Coelho (17/02/2011)