segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O velho quintal


Se você me encontrar andando na rua
sem rumo, cambaleando, como um copista,
com a cabeça abaixada, a cabeça vaga
lá na china, ou na casa da avó
não se preocupe, fique quieto,
não me chame.
É eu buscando minha inocência
Que já se foi
desde quando eu penso com maldade
-- essa coisa que a sociedade
me ensinou a pensar.
Não digo que a sociedade seja má:
ela é coitada como eu,
pura como eu,
matreira como eu.
Não deve ser alvo de críticas
de pessoas sem identidade,
que abominam a natureza
Esquecendo que vieram dela.
A sociedade se influencia
e todo mundo cai nesse jogo porque é seguro
e pronto.

Se você me vir cantando de modo estranho
no meio da avenida, onde os carros passam bonitos
como a pressa inconsciente de si,
ou a frustração sem tino jovial que lhe avise
sobre o tempo que ainda resta...
Se você me vir nessa avenida
falando sozinho, numa expressão tola, pobre, magra,
sem indicações de firmeza,
de virtudes encantadoras, de posse de segurança,
expressão muito merecedora de misericórdia...
Não fique com dó de mim!
Eu apenas estou buscando a minha inocência,
lembrando da casa da avó
onde eu era o dono do mundo
sem vergonha de ser ignorante
e, por isso, ensinando o primo mais velho
a ter sua identidade acima de tudo.
De tudo aquilo que parecia ser mais poderoso,
mais rico, mais útil, mais primoroso
que seus passos travessos-originais sobre o telhado,
procurando nada,
procurando ver o horizonte melancólico
e o cachorro lindo da casa vizinha
e, portanto, sendo outro dono do mundo.

Se você me encontrar na cidade
correndo sem porquê, sem me importar
com quem me vê,
fique parado, do seu lado.
Não me grite.
Olha o que eu estou fazendo,
continue olhando.
Sou eu, buscando eu (não mim, mas eu!),
a minha essência perdida
porque eu já sou adulto
e hoje tenho vergonha de tudo,
de gritos ao léu, dos pulos bobos e nossos
-- mais nossos do que bobos --,
encenações repentinas sem propósitos.
Sou eu tentando ver o que há mais
nessa terra de normais, cristalizados normais.
Sou eu procurando aquele velho quintal
Onde tinha um balanço amarelo
em que eu e Maisinha éramos soberanos
diante das verdades do mundo.
Sou eu, me desenrolando da linha que
Eu mesmo coloquei em mim,
desde que fiquei constante,
com barbas altaneiras, bigode patético,
pelos inúteis
e peito estufado.

Me ajuda a ser criança, vó!
Por favor. Me ajuda a ser criança.
Eu não agüento mais.


Fábio Campos Coelho - 01.02.11

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Eu Evaporado


Sento firme, leve, feliz
chega o conforto,
no fundo me sinto morto
não gosto de música assim, consoladora.

Me sento e me sinto bem demais
quando a alegria segura me ataca.
No começo é bom,
mas depois sei que é coisa fraca
boba, banal,
bacana, mas engana, sei que faz mal.

Não sou mais vítima desse bem,
não quero ser quem
fica parado na alegria estática.
Pra que teoria na cabeça?
Eu quero mesmo é prática,
sofrer, amar, temer,
ganhar, perder
para o sempre incerto
reconquistar, pra depois desencanar.

Na manhã seguinte, me aparece
um requinte de mulher,
que me quer mas não quer
e eu entro num abismo necessário
que é uma delícia, pureza e malícia
pro meu itinerário.

Esse vento está me bulindo
e eu nesse indo e vindo
seguindo o fluxo sem direção
de repente estou no paraíso
conhecendo a dor que ensina
e cada vez mais empina
a vontade de ser
discípulo de adão.

Pego o meu desejo e tosto
porque quando gosto, gosto
e aposto que não gosto
não sei o que quero
espero, mas não desespero.
Toda floresta tem um remanso
sem formiga, uma amiga
querendo que eu siga pra lá.

Que vento mais gostoso
que não me deixa parado
eu vou pra cá, pra lá,
em cima, de baixo, do lado
mas quando saio do eixo
é quando estou mais firme.

Sou tronco grosso e valente
o medo é quem se sente
medroso de chegar perto do meu barco.
Agora não tem jeito,
sou dono do mal-feito,
um imperfeito, contradição no peito
sou flecha de qualquer arco.

Fábio Campos Coelho (03.01.11)