
Toda poesia é autobiográfica, retrato idêntico à personalidade,
mesmo quando é negação das próprias sensações,
pois isso não se chama contradição ou falta de identidade:
isso se chama ironia.
Estranhamente, é impossível a palavra não corresponder
ao que o imo do dono da mesma palavra indica.
Não adianta, teimoso decifrador das angústias e alegrias do mundo,
não adianta, belo poeta!
O que tu rabiscas no papel, sendo concreto ou abstrato,
é legítima cópia do que pensas, de tuas conclusões,
de tuas dúvidas e convicções sobre o a retidão e o incoveniente.
Mas isso não é motivo de desapontamento,
pelo contrário: é realidade cativante,
verdade que promove o conforto e o alívio
desde o belo momento em que, humanamente,
não consegues fugir de ti mesmo.
E, sem te perceberes, vão crescendo, com tuas letras, teus desconhecidos,
desocupando os juízos debaixo do tapete do pudor,
desconfiando sabiamente que
os poetas não conseguem ser falsos
e treinando, lentamente, a julgar o instinto
espontaneidade que sana o medo de si.
Muitas vezes, razão e emoção são ângulos complementares
e, assim, nos tornamos mais verazes.
Agora, poeta, não vale relegar teu ofício.
Fábio Campos Coelho {30.03.10}